Tormentos

13/07/2011 19:32

Devia ser uma hora da manhã. Ele estava preocupado com isso, com o perigo da noite, com o trabalho no dia seguinte. Sentado naquele banco, no meio da praça perto de sua casa, ele se preocupava em ficar resfriado, coisa que o irritaria bastante durante a semana. Pensava que sua irmã ficaria novamente brava com ele por ficar lá fora de madrugada.

Tudo passava por sua cabeça em pequenas proporções, esses pesos diários. Mas ele fora até lá para mergulhar em outras coisas — mesmo que disesse o contrário para si mesmo. Era fácil falar que sentaria ali, olharia para o céu e esvaziaria a mente, quando isso faria exatamente o contrário. Lágrimas já estavam rolando, o coração já batia penoso. Ele conseguia encontrar simbolismo para o que sentia em quase tudo. As nuvens eram sombras, a lua era seu coração; as folhas das árvores eram seu espírito, o vento era dor. Ele pensava nas pessoas que, de uma forma ou de outra, o atormentavam. Chegou a pensar em como ninguém estava longe de tormentos em nenhum momento na vida. Desde os primeiros choros sem que ninguém adivinhasse qual era o seu problema, os esforços para aprender algo novo, até as primeiras paixões infantis que também traziam sofrimento.

É, era sempre uma fila interminável de pequenos e grandes tormentos e preocupações.

Distraído, ele viu uma mulher passar um pouco a frente e a acrescentou à sua lista de pensamentos. O que estaria ela fazendo ali? Pensando demais, também?

 

Na verdade, não. Ela não pensava em muita coisa. Saíra de casa há algum tempo e começou a andar sem rumo. Ela, sim, estava esvaziando sua mente, mas não por que queria. O buraco em seu peito criava também um buraco em sua mente.

Ela sentia um vazio. Não era total; não estava morta por dentro. Sabia que não. Mas não estava bem. Tudo fora cortado pela metade; os risos não duravam tanto tempo, as preocupações também, nem mesmo as emoções. Ela nem mesmo sentia tanta fome mais. As comidas perderam um pouco o gosto. Tudo perdera um pouco do sabor.

Achava que estava lidando bem com tudo, com o que a vida lhe fez. Afinal, desde que tudo acontecera, ela sabia, com toda certeza, que conseguiria seguir em frente. Sabia que nem era tão ruim, na verdade. Talvez nem fosse ruim, só uma mudança incômoda. Mas percebeu que não estava bem. Se sentir vazia não é estar bem, ela constatou. É estar meio morta. E se tivesse sido pior?, ela pensou. Estaria realmente morta por dentro? Isso era inadmissível. Ela tinha muito pela frente, não poderia ficar assim.

Mas era difícil fazer passar. Ela nem sabia como. Teria que chorar, coisa que não fez o bastante? Teria que gritar, explodir, deixar tudo sair? Mas isso não estava acontecendo. Talvez seja por esse motivo que as pessoas gostem de músicas que as deixam tristes, ela murmurou para si mesma. Para não se deixarem afundar.

Ela não queria se importar. Se estivesse totalmente vazia não se importaria. Não queria se importar em ficar doente por não comer, mas sabia que isso seria uma estupidez da qual ela se arrependeria mais tarde. Ela queria ignorar todas as pessoas e não se preocupar em magoá-las, mas sabia que precisava delas.

Ainda andando, ela passou por um homem sentado em um banco.

 

Os olhares se cruzaram. Ela viu a dor nos olhos dele, a intensidade do que sentia. Ele viu o vazio nos olhos dela, a simplicidade.

E cada um desejou ter o que o outro tinha.

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