Knocking on Heaven's Door

20/05/2011 18:10

Oi :D

Depois de um tempo sem nada novo por aqui, decidi postar esse "conto musical" que escrevi há alguns dias. A música tema, no caso, é "Knockin' on Heaven's Door", como diz o título (porque eu sou péssima para escolher títulos originais e criativos, é), na versão gravada pelo Guns n' Roses. O recomendável é ler enquanto a escutam, se conseguirem. Para isso, cliquem aqui!

 ;)

 

Ela prendera a meia ao espartilho e vestira a saia de couro falso. Colocava agora a bota de camurça de canos longos e plataformas e uma blusa de pêlos. O rádio estava ligado, baixo, um som de fundo quando ela começou a andar pelo apartamento e se arrumar, indo de um cômodo para o outro. A voz de Axl Rose saía dos alto-falantes, inconfundível, e ela acompanhava silenciosa a letra da música com os lábios, ou ainda apenas os gemidos.

“Oh, yeaaaaaaaaah”

No banheiro, ela passava a maquiagem pesada no rosto, tirando qualquer possibilidade de se mostrar inocente. Sombra escura, batom vermelho.

Como sempre acontecia, ela desligou o rádio mas a música continuou a tocar em sua mente quando ela saiu do apartamento.

“It’getting dark, to dark to see”

Andava com passos duros na rua. Seus cabelos negros se esvoaçavam, não muito longos, mas ainda assim marcantes em sua aparência. O vento estava forte e a blusa que ela usava sobre o espartilho não era o bastante para protegê-la do frio, mas ela não andaria por muito mais tempo; aí estava a vantagem de morar perto de bares e boates.

Chegou ao seu destino. O calor acolhedor do lugar a abraçou imediatamente, calor humano. Música alta, muitas pessoas, mesmo estilo de roupas e cabelos. Ela foi bem recebida.

— Sally, até que enfim.

Um homem e uma mulher a cumprimentaram primeiro, e depois ela gritou para os outros, mostrando que havia chegado. Todos a conheciam ali.

A música hard rock da boate quase a fazia esquecer do que ouvira em casa. Quase. Mas em algum lugar, Axl ainda ecoava em sua cabeça.

“Knock-knock-knockin' on Heaven’s door”

O primeiro homem entregou-lhe uma garrafa de cerveja e a puxou para ele. Ela bebeu enquanto dançava com ele e sentia as mãos impacientes em sua cintura, e então em seu quadril, e continuando a descer e depois subir. Ela se abaixou, como num passo, e ele segurou seus cabelos para trazê-la de volta para cima, e dessa vez voltou a mão só para seus seios.

— Quer um pouco de pó, lá atrás? — ele perguntou em seu ouvido.

— Depois. Agora eu quero dançar. Me solta.

— E o que nós estamos fazendo?

— Sexo com roupas.

Ele riu e a largou.

— Mas eu só te divido com uma pessoa — gritou, para sua voz ficar sobre a música.

— Você não é meu dono, Dean.

“Mama, put my guns in the ground”

A mulher que a cumprimentara primeiro se aproximou enquanto Dean se afastava, observando-as. Elas começaram a dançar, fazendo os mesmos movimentos que Sally fizera com Dean, mas de uma forma menos vulgar e mais sedutora. Talvez isso fosse só por serem mulheres, suaves, e com uma feminilidade implícita que não conseguiriam arrancar de si mesmas mesmo se quisessem.

“Feels like I’m knocking on Heaven’s door”

— Você precisa de mais animação, Ju — Sally falou, se encostando mais na outra e passando uma mão por seus cabelos de mechas negras e verdes.

— Ele te ofereceu coca de novo?

— Sim, Julie, e daí?

Julie a virou para segurá-la por trás, pela cintura.

— E daí que você está pedindo para se fuder, e isso me irrita.

Sally riu.

Elas chamavam a atenção de todos, e estavam acostumadas a isso. Não demorou para que um homem, um conhecido, se aproximasse das duas. Lentamente, ele segurou uma mão de Sally e a puxou para ele, e Julie a deixou ir, pois ela iria com quem a quisesse.

— Oi, Jace.

A “dança” com ele não durou quase nada. Dean foi até lá rapidamente e o puxou para trás. Ele realmente não queria terminar a noite com os restos.

— Propriedade privada hoje.

— Sério? Parece bem pública pra mim.

Dean o socou, supreendendo-o bastante. Ele iria perguntar porque ele se importava, porque qualquer um se importaria, já que Sally era só a puta de todos, mas seu orgulho falou bem mais alto e o fez atacar de volta.

A briga começou, e Sally e Julie assistiam de perto. Sally começou a rir com aquilo, observando os dois homens se socarem e se jogarem ao chão, tirando sangue um do outro. Julie tentou puxá-la para trás pelo braço, mas ela não permitiu, e riu mais alto, ainda vendo a luta com prazer.

Quando ela explodiu em uma gargalhada, curta e alta, eles pararam.

— E a vadia está rindo — Jace falou. — Rindo da nossa cara. Eu não acredito.

Ele se levantou, e Sally imediatamente previu o perigo. Virou-se, segurou a mão que Julie estendera para ela e saiu correndo de lá.

Ela ouvia os dois logo atrás, empurrando as pessoas para passar.

— Vamos na minha moto — Julie falou.

Do lado de fora, continuaram a correr até alcançar a moto, do outro lado da rua. Julie pegou o capacete que deixara no guidão e o jogou em Jace, que estava mais perto. Subiram no veículo e partiram.

“Knock-knock-knockin' on Heaven’s door”

O barulho da boate foi ficando para trás enquanto o vento congelante as tomava. Julie não falou nada, nem mesmo que estavam indo para sua casa, e Sally também manteve seu silêncio, agarrando-se à amante.

O que diabos aconteceu?, ela pensava. Já irritara todos eles antes, de uma forma ou de outra, mas nunca a esse ponto. Não havia nada de errado com ela, quem começou tudo foi o Dean. Não podiam culpá-la por ter rido, podiam? Não, não podiam culpá-la por nada, não tinham esse direito. E todas as noites que ela passara lá não deveriam tê-la colocado em um status seguro no grupo, como ela achou que tinha?

Não?

No meio da bagunça mental, Sally ainda ouvia a mesma música, que se recusava a abandoná-la; mas agora, e de repente, ela sabia porquê.

“Knock-knock-knockin' on Heaven’s door”

Chegaram na casa e entraram, rápidas. Só se acalmaram quando já estavam dentro.

Sally ficou imóvel na sala por alguns momentos, em silêncio. Julie havia começado a falar, a acusá-la, mas parou quando percebeu que tinha algo errado, e foi até ela.

— Por que está chorando? — perguntou, ao ver uma lágrima manchando o rosto de Sally.

Ela ficou quieta por algum tempo, sem focalizar o olhar.

— Estou batendo na porta do Céu.

— Duvido que seja do Céu, mas sim, está.

Elas se encararam em silêncio. A mente de uma começava a entender, a analisar, a se preocupar de verdade, e a outra só aguardava,  porque já sabia. Julie levantou a mão e fez parecer que limparia as lágrimas que escapavam dos olhos de Sally. Ao invés disso, ela segurou sua cabeça com força e usou um dedo para passar em sua boca, tirando o batom vermelho e sujando-a com ele.

— Ótimo. Eu já tirei o lápis com o choro, agora você terminou o serviço.

— Exatamente.

Julie a empurrou com o corpo para o sofá enquanto já tentava tirar sua blusa, e a calou definitivamente com um beijo.

E Sally entendeu.

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