A bruxa e a vampira
Sophie era uma bruxa.
O único sinal que denunciava sua condição era seus cabelos vermelhos. Isso para quem conhecia e acreditava nos “sinais da bruxa”. Mas ninguém poderia afirmar quais e quão poderosos eram seus dons paranormais. Bem, talvez outra bruxa. E vampiros. Talvez eles pudessem saber.
E era isso que Sophie, com o dobro de curiosidade que alguém de 20 anos deveria ter, iria descobrir.
Ela havia se encontrado com a vampira na noite anterior, duas horas antes do amanhecer, enquanto voltava para casa, bêbada, daquela festa louca que o Adrian havia dado. Adrian, aquele idiota. Era um primo próximo, mesquinho e egocêntrico, mas sabia dar ótimas festas. Isso é, se você considerar multidões, música muito alta e pessoas bêbadas por toda a parte como uma boa festa. Sophie tinha de admitir que preferia uma festa burguesa, com vestidos elegantes e vinho tinto, àquela bagunça. Mas sua família era uma bagunça, e ela precisava manter o contato em todos os níveis; era através da generosidade desses parentes inconseqüentes que ela conseguia pagar as viagens que fazia pelo mundo.
Naquela noite, ela bebeu demais. Odiava a falta da plena consciência, mas fora a bebida que salvara sua vida. No meio do caminho para casa, a vampira apareceu de repente e agarrou Sophie. Quando ela iria ser mordida, a vampira ficou imóvel por um momento, e então suspirou e se afastou.
— Obrigada — disse ela, sarcástica. — por estragar meu lanche com tanta cerveja. Argh. Você está fedendo.
A vampira se afastou um pouco mais, permitindo que Sophie corresse, o que com certeza era o que ela deveria ter feito. Mas a bruxa continuou ali, meio tonta, meio alerta. Estava muito intrigada. Nunca havia encontrado um vampiro antes, e imaginava que quando o fizesse, iria morrer antes de poder saber qualquer coisa que fosse. Mas ali estava uma chance de... De o quê? Vamos, ela pensou, fale alguma coisa. Qualquer coisa!
— Oi.
A vampira olhou para ela e começou a rir. Parou em alguns segundos e disse:
— Você é mais uma daqueles idiotas que tentam se aproximar dos vampiros? Eu não vou te matar, garota. Pode ir. Não precisa se tornar minha amiga para ficar viva.
Sophie continuou observando. Então soltou, de repente:
— Você sabe o que eu sou?
O rosto da vampira endureceu. Ela observou Sophie por algum tempo e disse:
— Talvez.
A vampira sumiu. Mas não antes de deixar uma nota mental na cabeça de Sophie:
“Amanhã, 22h00m, Café Beaubourg.”
Ah, então vampiros também podiam fazer isso. Sophie já havia usado de seus poderes para plantar informações e mensagens nas mentes de outras pessoas, como a vampira acabara de fazer.
E agora, na noite seguinte àquilo, Sophie esperava no Café. Não demorou muito para que a vampira aparecesse e se sentasse.
— Prazer Sophie. Sou Ariane.
— Muito prazer.
Hmm. Leitora de mentes.
— Sim. — a vampira disse. — Você também, não?
— Quando quero.
E Sophie queria agora. Tentou ouvir os pensamentos de Ariane, e para sua surpresa, conseguiu. Ela pensava em bruxas de cabelos vermelhos. Ah, então ela sabia.
— Claro que sim. Você praticamente me contou ontem a noite.
— Mas você não sabia só ao me ver?
— Não. Porque não prestei atenção. Isso é... perigoso.
— É?
Ariane se calou. Quando percebeu que já havia falado demais, resolveu continuar:
— É. Bruxas poderosas podem acabar com vampiros. E você é poderosa.
Sophie não pôde deixar de sorrir.
Começou-se, então, avalanches de perguntas de ambos os lados. Aquelas eram duas mulheres extremamente curiosas, e as duas perguntavam, uma à outra, sobre suas condições. Sophie queria saber tudo sobre vampiros, e Ariane queria saber tudo sobre bruxas. No fim do interrogatório, as duas se levantaram e caminharam para fora. Ariane acompanhou Sophie.
— Existe mais uma coisa que eu gostaria de saber sobre bruxas — disse a vampira, quando estavam sozinhas.
— O quê?
— Qual o gosto de seu sangue.
Ariane se virou e mordeu Sophie tão rapidamente que ela nem teve consciência disso.
Ficou se deliciando com o sangue da bruxa por um bom tempo, até que se afastou.
— Eu não deveria poder acabar com você? — Sophie disse então, baixinho.
— Sim. Mas poder sem conhecimento não é nada.
— Eu sei. Por isso viajo em busca de mais bruxas e lugares místicos... Para ter mais conhecimento.
Os olhos da vampira brilharam.
— Hmm. Você acabou de me dar uma idéia.
Sophie tentou se afastar. Tentou atacá-la mentalmente, tentou jogar algum feitiço, mas não sabia o que fazer. Então Ariane a agarrou, a prendeu contra a parede do beco em que se encontravam e disse:
— E como seria uma bruxa vampira?
Ariane se cortou e deixou o sangue que saia de seu pulso jorrar dentro da boca de Sophie. Sophie havia sido transformada.
Muitos anos mais tarde, em uma das viagens de Ariane e Sophie, a bruxa-vampira se virou para sua criadora e disse:
— Tenho poder e conhecimento agora, querida.
— E...?
— E eu não sei o que fazer com eles.
Ariane se calou por um momento antes de responder:
—Nem eu.
— Hmmm. Sabe, descobri como posso acabar com vampiros.
— Como?
E então Ariane começou a sentir que estava sangrando. Pelos olhos, nariz, boca e ouvidos. Ela estava, de repente, perdendo todo o sangue que tinha em seu corpo, lentamente, enquanto Sophie observava e sorria.
— Queria saber o que acontecia.
Sophie virou-se e foi embora, deixando sua criadora agonizando sozinha, enquanto se afastava murmurando:
— Não. Realmente não sei o que fazer com eles.