A arte imita a vida

15/02/2011 21:25

— Pense na imortalidade — ele suplicou.

— Estou pensando! E isso só me afasta mais.

— Por quê? Como isso é possível? Ficaríamos juntos para sempre...

— Para sempre, Paulo? — ela respondeu com sarcasmo. — Nossa relação já não ia bem antes que  você se tornasse... Isso.

— Mas agora podemos ter todo o tempo do mundo para...

— Não — ela balançava a cabeça quase freneticamente, só uma lágrima lhe escapando e quebrando a aparência rígida. — Não.  Você mata.  Vai continuar matando até quando a eternidade permitir, e eu não preciso disso. Não quero.

Ele estava chocado.

— Mas, Marcela, a força, a  velocidade, o poder...  Você não sabe o que é isso! É  viver ao extremo, como nenhum mortal jamais poderá conseguir!

— Não, não sei, mas imagino bem. Olhe, não te culpo por gostar e se orgulhar de ser  vampiro. Mas eu não quero!  Aceite o fato. Não se sente falta do que não se tem, e eu posso  viver e morrer como humana.

— Você quer morrer? — ele perguntou, em tom de zombaria.

— Quero — ela respondeu sem hesitar, surpreendendo o  vampiro. — Eu quero descobrir o que  vem depois.

— E se não  vier nada?

— Bem, então eu simplesmente deixaria de existir, não? Não teria como me arrepender de coisa alguma.

— E se for pior do que a  vida? Se  você for para o Inferno ou algo assim?

— Terei que aguentar — ela respondeu, dando de ombros.

—  Você faria isso pelo conhecimento?

Ela fez que sim. Ele deu uma risada incrédula.

—  Você não faz sentido.

—  Você bebe sangue, tem força sobre-humana e é imortal, e eu não faço sentido?

 Ambos riram, mas logo a expressão do  vampiro se tornou tão dura quanto assustadora.

 

— Corta!

O ator sorriu para a parceira, quebrando a máscara rígida que criara para o personagem, e se afastou para falar com outras pessoas.  A atriz continuou sentada onde estava, meditando com uma expressão  vazia.

— Parabéns, Carlos — disse de repente, dirigindo-se ao roteirista que passava em sua frente. — Estou pensando sobre esta última conversa. Era essa a intenção, certo?

— Claro — o homem respondeu, com um sorriso genuíno no rosto enquanto se  voltava para encarar a atriz. — E  você, o que escolheria? Imortalidade ou conhecimento?

Ela pensou um pouco antes de responder.

— Eu acho que não devemos nos atormentar com essa pergunta enquanto não tivermos a decisão nas mãos; afinal, não teremos nem um nem outro em  vida. Mas devo admitir que o conhecimento é muito sedutor.

O homem sorriu.

— Pense honestamente:  você acha que há mais a descobrir na  vida ou na morte? Existem tantos segredos na Terra, no Universo e ainda mais na própria Humanidade. Depois da morte talvez só exista um grande segredo.

— Deus.

— Sim. Deus é o segredo oculto do universo. — ele falou, citando parte de uma obra de  Anne Rice. — E eu não acho que iremos nos importar muito com o conhecimento quando chegar a hora, e sim com o sentimento. Na  verdade, deveríamos sempre nos importar mais com o sentimento, mas não conseguimos. Ao menos em  vida, não.

— Então  você quer dizer que o melhor seria a imortalidade?

— Eu quero dizer que o melhor seria extrair da  vida tudo o que pudermos, pois a  vida é tudo o que conhecemos com certeza, e tudo que podemos cavar para descobrir cada  vez mais.

Trocaram sorrisos e ele se afastou.

—  Vamos, pessoal — o diretor avisou. — Agora Marcela se torna uma  vampira contra sua  vontade, e logo depois começa a gostar da ideia...  Vocês leram o roteiro,  vamos.

A atriz riu e  voltou ao trabalho, com um olhar inteligente sobre o roteirista.

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