A arte imita a vida
— Pense na imortalidade — ele suplicou.
— Estou pensando! E isso só me afasta mais.
— Por quê? Como isso é possível? Ficaríamos juntos para sempre...
— Para sempre, Paulo? — ela respondeu com sarcasmo. — Nossa relação já não ia bem antes que você se tornasse... Isso.
— Mas agora podemos ter todo o tempo do mundo para...
— Não — ela balançava a cabeça quase freneticamente, só uma lágrima lhe escapando e quebrando a aparência rígida. — Não. Você mata. Vai continuar matando até quando a eternidade permitir, e eu não preciso disso. Não quero.
Ele estava chocado.
— Mas, Marcela, a força, a velocidade, o poder... Você não sabe o que é isso! É viver ao extremo, como nenhum mortal jamais poderá conseguir!
— Não, não sei, mas imagino bem. Olhe, não te culpo por gostar e se orgulhar de ser vampiro. Mas eu não quero! Aceite o fato. Não se sente falta do que não se tem, e eu posso viver e morrer como humana.
— Você quer morrer? — ele perguntou, em tom de zombaria.
— Quero — ela respondeu sem hesitar, surpreendendo o vampiro. — Eu quero descobrir o que vem depois.
— E se não vier nada?
— Bem, então eu simplesmente deixaria de existir, não? Não teria como me arrepender de coisa alguma.
— E se for pior do que a vida? Se você for para o Inferno ou algo assim?
— Terei que aguentar — ela respondeu, dando de ombros.
— Você faria isso pelo conhecimento?
Ela fez que sim. Ele deu uma risada incrédula.
— Você não faz sentido.
— Você bebe sangue, tem força sobre-humana e é imortal, e eu não faço sentido?
Ambos riram, mas logo a expressão do vampiro se tornou tão dura quanto assustadora.
— Corta!
O ator sorriu para a parceira, quebrando a máscara rígida que criara para o personagem, e se afastou para falar com outras pessoas. A atriz continuou sentada onde estava, meditando com uma expressão vazia.
— Parabéns, Carlos — disse de repente, dirigindo-se ao roteirista que passava em sua frente. — Estou pensando sobre esta última conversa. Era essa a intenção, certo?
— Claro — o homem respondeu, com um sorriso genuíno no rosto enquanto se voltava para encarar a atriz. — E você, o que escolheria? Imortalidade ou conhecimento?
Ela pensou um pouco antes de responder.
— Eu acho que não devemos nos atormentar com essa pergunta enquanto não tivermos a decisão nas mãos; afinal, não teremos nem um nem outro em vida. Mas devo admitir que o conhecimento é muito sedutor.
O homem sorriu.
— Pense honestamente: você acha que há mais a descobrir na vida ou na morte? Existem tantos segredos na Terra, no Universo e ainda mais na própria Humanidade. Depois da morte talvez só exista um grande segredo.
— Deus.
— Sim. Deus é o segredo oculto do universo. — ele falou, citando parte de uma obra de Anne Rice. — E eu não acho que iremos nos importar muito com o conhecimento quando chegar a hora, e sim com o sentimento. Na verdade, deveríamos sempre nos importar mais com o sentimento, mas não conseguimos. Ao menos em vida, não.
— Então você quer dizer que o melhor seria a imortalidade?
— Eu quero dizer que o melhor seria extrair da vida tudo o que pudermos, pois a vida é tudo o que conhecemos com certeza, e tudo que podemos cavar para descobrir cada vez mais.
Trocaram sorrisos e ele se afastou.
— Vamos, pessoal — o diretor avisou. — Agora Marcela se torna uma vampira contra sua vontade, e logo depois começa a gostar da ideia... Vocês leram o roteiro, vamos.
A atriz riu e voltou ao trabalho, com um olhar inteligente sobre o roteirista.